Pais e mães que mal viam seus filhos e pouco conviviam entre
si, agora precisam aprender a resolver seus problemas antigos e não criar novos.
Ele: Um problema todo nosso
O áudio chega com um emoji de risada. “Mais um pai
estressado”, alguém escreve. É mais um áudio de uma mãe, ou um pai, falando que
não aguenta mais ter filho. “Não aguento mais aula online”, “não suporto mais
brincar com meu filho”, “não quero mais estudar com criança!”, “não aturo mais
dar comida pra criança”. Lembro de um áudio de uma mãe que descobriu que os
filhos comiam demais. “Eles parecem uma draga!”, ela diz. Outro da mãe que não
suportava mais ouvir os filhos gritarem “mãe!”. Outro do pai que tinha rodado
três vezes na quarta série: “Quando eu era criança odiava escola. Agora, tenho
que estudar tudo de novo? Eu não! Já passei dessa fase”, diz o homem. Todos os
áudios chegam com uma risada, as pessoas do grupo acham graça.
Estou me abrindo aqui com você: é simplesmente o que eu
sinto, não uma cobrança para que todo pai ame a parentalidade o tempo todo.
Acredito que ninguém está feliz o tempo todo com os filhos e que essa época de
quarentena é ainda mais estressante. Contudo, acredito que nossos sentimentos
são sinais de alerta para melhorar o que está quebrado. Acho que é papel dos
pais respirar fundo, exercitar a calma, entender as crianças, formá-las.
Entendo a necessidade de alívio cômico no dia a dia (adoro a fantástica
capacidade do brasileiro de fazer graça nesse momento de caos na saúde e na
economia), mas não acho graça de pai cansado de ser pai. De saco cheio de
educar os filhos. Descobrindo que o filho é chato.
Ela: A casa que habito
Aconteceu. Como numa síndrome de Estocolmo, me apaixonei por
onde estou confinada. Talvez, quando voltar a sair, tenha que levar objetos de
transição. Como crianças adaptam-se à creche levando bichinhos e paninhos de
dormir. Será que cabe um cacto no carro, uma chaleira na bolsa? Acomodarei
tapetes de yoga no bagageiro superior ou “embaixo do assento à sua frente” nos
aviões? Depois de tanto tempo brincando de Família Schurmann ancorada, novas e
boas dinâmicas se desenharam aqui em casa. Acordamos tarde, cada um faz as suas
tarefas. Eu cozinho. O almoço sai só lá pelas 14h, às vezes até depois disso.
Eles lavam a louça e limpam a cozinha.
De tarde, a programação varia. Normalmente os adultos fazem
reuniões e escrevem enquanto as crianças brincam. Às cinco a gente avalia se
rola dar uma volta pelo bairro, de máscara. Os humores oscilam. As discussões
rareiam. De noite pode ter treta. As crianças ficam agitadas e os adultos estão
cansados, especialmente em dias de mercado e desinfecção de pacotes e sacolas.
Como cansa. Quando alguém vai inventar a máquina de lavar compras? Mesmo sem
combinar, a gente tem evitado brigar. O mal-humorado ou belicoso do dia
reserva-se o direito de reclamar ou ficar mais calado. Passa. Tudo passa (menos
essa quarentena).
Tenho uma amiga que não discute com o marido no isolamento.
Quando percebem que vão brigar, jogam para o acaso e decidem tudo na base do
par ou ímpar. Sem debates, diálogo e muito menos briga. Tem funcionado pra
eles. Sempre gostei da escola das meninas, daquela rotina.
Não é fácil coordenar os estudos das crianças com as nossas
atividades. Dividir computador, cômodos ou pesquisar conteúdos que já eram
chatos no nosso tempo. Outro dia ensinei a Anita a fazer distribuição
eletrônica com elementos da tabela periódica. Quando ela chegou com um caderno
cheio de cossenos e tangentes me bateu desespero. Algumas famílias têm brigado
muito.
O convívio intensivo acelera alguns processos. Dizem que os
divórcios aumentam quando o isolamento termina. Aqui, o problema será outro. Me
tornei tão caseira que o difícil vai ser sair de novo. Me separar, não do
marido ou das filhas, nem pense nisso, não está nos meus planos. Mas, já sofro
por antecipação de abandonar esse novo ente familiar, a casa.
Moral: “Pais e mães que mal viam seus filhos e pouco
conviviam entre si, agora precisam aprender a resolver seus problemas antigos e
não criar novos”